FOI O MAMEDENSE JOSÉ FERREIRA THEDIM, FILHO E NETO DE SANTEIROS, QUE CRIOU A IMAGEM DE NOSSA SENHORA DO ROSÁRIO DE FÁTIMA, QUE ESTÁ ATÉ HOJE NA CAPELINHA DAS APARIÇÕES, NO SANTUÁRIO DE FÁTIMA.
Há documentos que relatam a sua existência no território de São Mamede do Coronado e em algumas freguesias limítrofes do concelho da Maia, desde, pelo menos, o século XIX. Mas é a partir de 1920, que os Santeiros de São Mamede do Coronado ganham projeção, com a criação da Imagem de Nossa Senhora do Rosário de Fátima por José Ferreira Thedim. Desde essa data, este saber-fazer que nasceu nas oficinas de São Mamede, levou a imaginária religiosa destes artesãos herdeiros de uma técnica ancestral, aos quatro cantos do mundo. Hoje, a escultura de Nossa Senhora, que nasceu na oficina de José Ferrera Thedim, no Lugar de Fontes, continua a levar milhões de crentes ao Santuário de Fátima.
São Mamede do Coronado apresenta-se como uma paisagem marcada por elementos patrimoniais de reconhecido interesse cultural. A particularidade do seu património material e imaterial, associado ao ofício de santeiro e às oficinas de produção de arte sacra que subsistem no território, tendo por base uma tradição e um saber-fazer secular, são disso exemplo.
Os “santeiros”, como localmente são conhecidos, esculpem e pintam à mão, em contexto oficinal, imagens de vulto devocionais, essencialmente em madeira. Pelas suas características, qualidades técnicas e artísticas, os trabalhos que realizam são expedidos, ainda hoje, para todo o mundo católico.
Este ofício está documentado no território de São Mamede do Coronado e em algumas freguesias limítrofes do concelho da Maia, desde, pelo menos, o século XIX. Contudo, a partir de 1920 esta arte teve um crescimento exponencial. Nesse ano, José Ferreira Thedim (1892-1971), natural do Lugar de Fontes, São Mamede do Coronado, descendente de uma família que há várias gerações trabalhava nesta arte, esculpiu, na oficina que fora do seu pai e do seu avô, aquela que se tornou um dos maiores ícones da escultura religiosa do mundo: a Nossa Senhora do Rosário de Fátima. Esta imagem, que se venera na Capelinha das Aparições do Santuário de Fátima, foi-lhe encomendada em 1919 por Domingues Teixeira Fânzeres, pintor de arte sacra, que dirigia uma casa de artigos religiosos, na Rua do Souto, em Braga, com a qual José Ferreira Thedim já trabalhava regularmente. O país vivia um contexto político laico, adverso às afirmações da religiosidade e as manifestações devotas do fenómeno de Fátima agudizaram a tensão entre os poderes civil e religioso. Dois anos após os relatos das aparições ainda não se conhecia uma imagem que materializasse a Nossa Senhora que ali se identificou, segundo os videntes, como Nossa Senhora do Rosário. Gilberto Fernandes dos Santos (1892-1964), um empresário de Torres Novas, devoto de Fátima, empreendeu a tarefa de encontrar e custear uma imagem que permitisse o culto na Capelinha, então construída em 1919. Procurou essa imagem, primeiro em Lisboa, mas, não encontrando nada que cumprisse os critérios, encomendou a obra a Domingos Teixeira Fânzeres, de Braga. Coube a José Ferreira Thedim a sua criação que a talhou em madeira de cedro do Brasil com uma altura de 104 cm. Sabe-se que a imagem foi mandada fazer segundo orientações dadas pelo cónego Manuel Nunes Formigão (1883-1951) ligado, desde 1917, à indagação eclesiástica do fenómeno de Fátima e que inclusive terá inquirido pessoalmente os videntes. Mais tarde, José Ferreira Thedim esclareceu, também, que se havia inspirado na imagem de Nossa Senhora da Lapa presente num catálogo de artigos religiosos da Casa Estrela, no Porto, que circulava entre os profissionais da área.
A imagem de Nossa Senhora do Rosário de Fátima, além de satisfazer de forma plena as pretensões de promotores e crentes, gerou um novo tema iconográfico que, mesmo antes da aprovação das aparições pelas autoridades eclesiásticas, em 1930, já estava difundido por todo o país. Na segunda metade de 1940, o mesmo mestre produziu duas novas imagens da iconografia mariana de Fátima: a Virgem Peregrina e o Imaculado Coração de Maria.
Tal como José Ferreira Thedim, as outras famílias de santeiros, ou imaginários, adaptaram-se ao novo mercado dos devotos da Cova da Iria. As oficinas rapidamente adequaram o seu modo de produção artesanal aos moldes das oficinas-fábrica, através de uma especialização hierarquizada da mão-de-obra que, além de trabalhar em série, não suspendeu a produção artesanal. Estes espaços eram também conhecidos como oficinas-escola onde o saber-fazer era transmitido aos aprendizes que ali ingressavam, geralmente em tenra idade, após a instrução primária.
A dinâmica da produção de imaginária religiosa nesta geografia foi crescente. São Mamede do Coronado tornou-se no centro produtor desta arte. As oficinas de maior dimensão como a de José Ferreira Thedim; a de Amálio Maia (1895-1986), situada em Cidadelhe, Santa Maria de Avioso, Maia, a 1 Km da oficina Thedim; a de Avelino Moreira Vinhas (1912-2005); a de Crispim Monteiro (1914-1977) e a de Francisco da Silva Ferreira (1910-1995) produziram intensamente durante décadas, dando trabalho a algumas dezenas de artistas e ensinando o ofício a tantos outros. Alguns deles, quando já dominavam a arte, estabeleceram-se por conta própria. Mesmo os que se mantiveram numa escala oficinal mais reduzida, não deixaram de elaborar peças com um nível de apuro elevado. Inclusive, alguns especializaram-se em tipologias de trabalhos como são exemplo as imagens de Cruxificados e de São Sebastião, em que se pormenorizavam os detalhes do corpo humano. Houve os que trabalharam matérias-primas específicas, como o marfim e o mármore, diferenciando-se daqueles que talhavam a madeira, considerada a matérias mais comum.
Na atualidade, estes profissionais trabalham, na sua maior parte, em casa, num contexto oficinal de um só trabalhador, esculpindo e pintando peças em madeira, com métodos e técnicas ancestrais e de elevado nível de execução.
A Câmara Municipal da Trofa, reconhecendo a importância deste património cultural de excecional valor, tem definido, no âmbito das suas políticas culturais, um conjunto de estratégias para a sua salvaguarda e valorização. Além de estar a implementar, em articulação com o IEFP, um curso profissional de escultura e pintura de arte sacra que assegure o ensino do ofício, estuda, publica e expõe sobre o tema. Adquiriu e conserva os espólios da oficina de José Ferreira Thedim e da oficina de Avelino Moreira Vinhas para futura musealização e, em 2020, candidatou-se e venceu o programa televisivo das “7 Maravilhas da Cultura Popular” da RTP, projetando os Santeiros de São Mamede do Coronado para um patamar de grande visibilidade e reconhecimento público.